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Transição energética amplia ações que levam eletricidade a comunidades remotas da Amazônia - Campus Sustentável
 

Transição energética amplia ações que levam eletricidade a comunidades remotas da Amazônia

Transição energética amplia ações que levam eletricidade a comunidades remotas da Amazônia

Trabalhos, projetos e pesquisas, relacionados à transição energética propõem soluções para o acesso à eletricidade por parte dos povos amazônicos

“Muitas terras indígenas não têm hoje acesso à energia elétrica por conta da sua localidade remota, o que gera uma série de problemas sociais. Isso impacta negativamente, por exemplo, o sistema básico de saúde, a educação de qualidade, a democratização da informação por meio do acesso à internet, a autonomia econômica e o fortalecimento cultural”. A experiência de Arlindo Baré, graduando indígena da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp, é a realidade de cerca de um milhão de brasileiros que vivem na Amazônia. A estimativa é do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), no seu Relatório Anual 2021, publicado em 2022. Entre as populações mais atingidas pela escassez estão os assentados rurais, quilombolas, indígenas e outras comunidades, localizadas em nove estados que constituem a Amazônia brasileira.

Esse problema evidencia que, apesar dos avanços, os atuais investimentos governamentais, como dos programas Luz para Todos e Mais Luz para a Amazônia, comparados ao programa Luz no Campo, instituído em 1999, têm sido relativamente tímidos frente à pobreza de eletricidade brasileira.

Baré estuda as condições da Terra Indígena (TI) Cué-cué/Marabitanas, em São Gabriel da Cachoeira (AM), habitada pelos povos indígenas Baré, Baniwa, Tukano e Warekena, para a instalação de sistemas fotovoltaicos. Nessa região, do Alto Rio Negro ao noroeste do Amazonas, existem 32 comunidades — grupos maiores — e 55 sítios — pequenos grupos de uma ou duas famílias — indígenas. A pesquisa de iniciação científica é parte do projeto Rio Negro Solar, feita sob orientação do professor Luiz Carlos da Silva, diretor do Centro Paulista de Estudos da Transição Energética (CPTEn) e coordenador do Programa Campus Sustentável da Unicamp.

No ranking do IEMA, o Amazonas é o segundo estado dessa região mais afetado pela pobreza de eletricidade, que atinge quase 160 mil dos seus habitantes e fica atrás apenas do estado do Pará, que possui cerca de 410 mil pessoas vivendo na escuridão. Essas posições se invertem quando as quantidades são categorizadas. O Amazonas tem aproximadamente 24 mil indígenas sem acesso à eletricidade, contra pouco mais de 15 mil no Pará. Números que podem ser bem superiores, visto que para a obtenção das informações o estudo do Instituto se utilizou de metodologia computacional. Os dados figurados no relatório são do biênio 2018 e 2019, a partir dos registros do IEMA, da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Ministério de Minas e Energia (MME) e do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

Em novembro de 2022, a iniciativa Amazônia +10 contemplou 39 projetos voltados para o território dos povos da Amazônia e o fortalecimento de cadeias produtivas sustentáveis. Uma das propostas selecionadas, coordenada pelas pesquisadoras Elissandra da Silva, da Universidade Federal do Amapá (Unifap), Lilian Rebellato, da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), e Artionka Capiberibe, da Unicamp , destaca a temática energia limpa e vida sustentável. Suas ações fomentam a educação escolar, a transmissão de práticas tradicionais e a geração de renda entre os povos indígenas do Baixo Oiapoque e Mapuera-Trombetas-Nhamundá (Calha Norte).

A disponibilidade de energia elétrica nas comunidades é precária e prejudica diretamente outros aspectos do cotidiano desses povos. “Quando um insumo como a energia elétrica chega nas comunidades indígenas, cria-se um conforto que não existia antes. Já houve situações em que um gerador de energia quebrava e levava até três meses para que fosse providenciado o conserto”, declarou Artionka. Segundo a pesquisadora, o projeto associa o conhecimento científico aos saberes locais indígenas para ajudá-los a desenvolver fontes de renda. “É possível perceber o quanto a energia elétrica é um bem fundamental e o quanto a demanda por ela cresceu. A partir disso, a relação entre essa demanda e a possibilidade de geração econômica para as populações indígenas é direta”, relacionou.

Ao encontro da importância do acesso à eletricidade para o desenvolvimento econômico ressaltado por Baré e Artionka, o IEMA declarou que os recursos empreendidos pelo serviço público a essas comunidades, quando chegam, levam em conta somente o consumo residencial e negam a necessidade para atividades de produção comercial, por exemplo. Em 2021, Artionka participou do projeto que instalou placas fotovoltaicas nos polos-base de saúde das comunidades indígenas Kumenê e Kumarumã, localizadas no município Oiapoque (AP). Financiada pela Embaixada Francesa, a parceria entre o Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (IEPÉ) e a Easy Watt contou também com a participação de pesquisadores do Campus Sustentável Unicamp e do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH/Unicamp). O estado do Amapá, segundo o IEMA, possui mais de 25 mil pessoas em situação de vulnerabilidade a esse serviço público, pertencendo a esse grupo mais de 1.300 indígenas.

Transição energética para o abastecimento amazônico

Apesar dessa quantidade de pessoas não ter acesso pleno à eletricidade ou apenas um acesso precário a ela, o diretor do CPTEn explicou que se trata de um percentual pequeno comparado aos 99,5% dos habitantes brasileiros abastecidos com energia elétrica. O que resulta no reconhecimento da Organização das Nações Unidas (ONU) de que o Brasil atingiu o acesso universal à energia elétrica. “O que sabemos é que na região amazônica há um milhão de pessoas que não tem acesso e mais alguns milhões de pessoas com acesso precário”, contrapôs Luiz Carlos, ressaltando o potencial da geração renovável para a transição energética dessa região. “Vejo que muitas comunidades com acesso à eletricidade é baseada em diesel. Muitas vezes, um acesso que não garante o uso durante 24 horas por dia. É também uma questão da logística de fornecimento que geralmente ocorre via estradas e rios. Outro problema é quando chega o abastecimento de diesel, que pode ser tocado de forma inadequada, produzindo danos à saúde, acidentes, poluição, como a contaminação do lençol freático”, alertou.

Quando se busca adentrar nessas comunidades, conforme esclarece Baré, o processo de transição energética deve ser abordado inicialmente pelo viés da educação. Segundo ele, parte das comunidades isoladas apresentam resistência à eletricidade por não conhecerem o potencial aberto pela democratização a seu acesso a partir de tecnologias de geração renovável, como a fotovoltaica. “As possibilidades, a partir disso, incidem dentro do processo de diálogo, envolvendo pesquisadores e gestores de instituições públicas, para que todos tenham a consciência de sua participação dentro do processo de transição energética e os limites frente aos cuidados com esses povos”, alerta o pesquisador, que se baseia também na dinâmica das comunidades locais, na dependência econômica e na influência política da região onde aplica sua pesquisa. De acordo com ele, são fatores a serem considerados para mitigar a possibilidade de conflitos

Buscando essa aproximação, em maio de 2023, Baré e Danúsia Arantes, pós-doutoranda da FEEC/Unicamp, participaram do 1º Fórum de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Amazônia, em Manaus (AM). “ Apresentamos o escopo da pesquisa interdisciplinar Rio Negro Solar,  com destaque para o desafio da etapa de diagnóstico junto as comunidades. Propomos o levantamento da demanda básica para eletrificação com a participação dessas comunidades para a formulação de uma política que, efetivamente, atenda aos seus interesses de preservação e desenvolvimento local nos âmbitos tecnológico, educacional e de potencialidades das riquezas naturais com a preservação. Uma política pública que parta da comunidade indígena para a implantação de sistemas fotovoltaicos sem desconsiderar a especificidade da região”, finalizou Arantes, que também atua como co-orientadora da pesquisa Rio Negro Solar, ressaltando a participação no painel de políticas públicas para a transição energética na Amazônia e soluções fotovoltaicas para o suprimento elétrico de comunidades isoladas dessa região.

Inácio de Paula é jornalista bolsista do CPTEn e do Campus Sustentável Unicamp – http://lattes.cnpq.br/4888708241501352

Texto: dossiê Transição Energética da revista ComCiência