Transição Energética na América Latina e no Brasil e atração de investimento estrangeiro para o desenvolvimento

Transição Energética na América Latina e no Brasil e atração de investimento estrangeiro para o desenvolvimento

Quando se considera a região de países da América Latina, percebe-se que tem quase tudo o que precisa para fazer uma transição para energias renováveis: metas ambiciosas, enorme potencial solar e eólico e indústrias locais em crescimento. Mas a região ainda enfrenta problemas para atingir os objetivos de desenvolvimento econômico e social, uma vez que seus países se caracterizam por profundas desigualdades sociais, econômicas, culturais, financeiras. No caso da transição energética, o financiamento para tal, mesmo com as ações e programas até aqui implementados, ainda é insuficiente, e várias barreiras terão que ser superadas para reverter essa situação.

A principal ideia do “desenvolvimento econômico e social” de um país se refere a entender os aspectos que produzem o atraso e a falta de acesso da população a melhores condições de vida e às políticas que levam à alteração dos fatores que produzem o atraso. Uma ideia emblemática, decorrente do desenvolvimento, implica na contestação das abordagens que depositam no mercado o papel de autorregulador do capitalismo e da certeza de que ele é capaz de levar à sociedade, “como por uma mão invisível”, à harmonia de uma vida melhor. Nesta visão, os desvios de percurso seriam apenas de falhas de mercado que, por assim dizer, retiram temporariamente a economia do rumo do bem-estar da sociedade.

Ao contrário, a ideia de desenvolvimento confronta esta posição por entender que as condições sociais e econômicas sobre as quais se assenta a circulação mercantil, o emprego e a geração de renda apresentam determinações históricas que não podem ser negadas, sob o risco de não superar o atraso. O conceito de desenvolvimento rejeita a ideia de autorregulação da sociedade pelo mercado, sendo que, nesse contexto, a política é que permite a ação e o planejamento, contando com a participação regulada e organizada do Estado em qualquer dos seus níveis buscando a alteração dessas condições que produzem o atraso.

Na atualidade, é clara a percepção de que o crescimento econômico tem levado a desafios inevitáveis de ordem ambiental e, em consequência disto, os países, seus governos, as organizações públicas e privadas, os movimentos sociais e a própria população a tomar conhecimento e consciência de que é necessário enfrentar o problema dos limites do nosso sistema de produção e distribuição e as fontes de recursos que utilizamos. Nesse sentido, relacionamos aqui o problema do desenvolvimento e as matrizes energéticas que sustentam a produção e o consumo em cada país. Para avançar, precisa-se crescer com fontes renováveis de energia, pois sem essa condição não há possibilidade de um desenvolvimento social e ambientalmente sustentável. De forma que se coloca a transição do sistema econômico para uso e exploração de energia sustentável (limpa e renovável) como condição inevitável para o desenvolvimento.

Quando se considera a região de países da América Latina, percebe-se que tem quase tudo o que precisa para fazer uma transição para energias renováveis: metas ambiciosas, enorme potencial solar e eólico e indústrias locais em crescimento. Mas a região ainda enfrenta problemas para atingir os objetivos de desenvolvimento econômico e social, uma vez que seus países se caracterizam por profundas desigualdades sociais, econômicas, culturais, financeiras, por mencionar algumas delas. No caso da transição energética, o financiamento para tal, mesmo com as ações e programas até aqui implementados, ainda é insuficiente, e várias barreiras terão que ser superadas para reverter essa situação.

Agência Internacional de Energia (AIE) estima que os países emergentes, categoria que inclui grande parte da América Latina e do Caribe, precisarão de US$ 1 trilhão por ano até 2050 para financiar sua transição energética. Em contraste, em 2020, US$ 150 bilhões foram disponibilizados para investimentos em energia limpa. Instituições financeiras, como a Corporação Andina de Fomento (CAF), do Banco de Desenvolvimento da América Latina, também devem desempenhar um papel importante, embora limitado.

No entanto, no setor de produção de energia, as condições levam à incerteza e à volatilidade dos recursos financeiros estimados para investimento para aplicação em energia. Se por um lado, os recursos têm sido insuficientes, por outro, muitas vezes são direcionados por pressões e lobbies do mercado para a exploração de combustíveis fósseis. É de se prever que um aumento dos recursos para o setor deva, portanto, sofrer redirecionamentos para a exploração de recursos não-renováveis.

Nessa situação, o desafio na América Latina é atrair e reter investimentos estrangeiros que contribuam para modelos de desenvolvimento sustentáveis e inclusivos na região. Por isso, os governos deverão realizar esforços integrados de captação de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED), que são capitais financeiros aplicados diretamente em empreendimentos produtivos de construção e ampliação de capacidades, criação de empregos de qualidade, transferência tecnológica e diversificação e sofisticação da matriz energética e produtiva. Uma justificativa nesse sentido é que deve-se promover o uso de recursos públicos para atrair investimentos que promovam encadeamentos produtivos virtuosos, que produzam transferência de conhecimentos e tecnologias, emprego e criação de renda, irradiando mecanismos de multiplicadores da renda para outros setores, isto possibilita a alteração das condições da pobreza e da reprodução das desigualdades (CEPAL, A hora da igualdade, 2010).

Ademais, os incentivos fiscais articulados em políticas de atração de investimentos contribuem na efetiva participação nos fluxos financeiros globais, embora não sejam suficientes para essa finalidade, uma vez que se requer também a combinação de diversos aspectos, como infraestrutura, capacidades produtivas e o conjunto de habilidades e conhecimentos que permitem integrar atividades complementares ao longo das cadeias de valor da economia de cada país e/ou região.

Em consequência, é necessário pensar local e regionalmente, buscando articular os esforços de atração do IED junto a outras ações estratégicas, no marco de políticas públicas e agendas de desenvolvimento produtivo e social tanto internamente a cada país como integradamente com a região de países vizinhos e blocos potenciais de negociação. A experiência da América Latina em termos de políticas de atração de IED é recente e seus resultados mostram que se precisa avançar no desenho dessas políticas e programas (Cepal, La inversión extranjera directa en América Latina y el Caribe, 2023).

Quando se pensa no desenvolvimento a partir da matriz energética, se reconhece que na região da América Latina isso tem sido um dos aspectos centrais e estratégicos das políticas de desenvolvimento. Sua busca a partir de matrizes energéticas renováveis e limpas vem atraindo investimentos que deram dinamismo importante para as economias da região. Em 2005, os anúncios de investimentos estrangeiros em energias renováveis representavam apenas 6% do montante total de investimentos em energia no mundo. Em 2022, passaram a representar 80%. Isso indica que o interesse das empresas internacionais em fontes de energia renovável foi impulsionado pela crescente competitividade do setor. O custo da geração de energias renováveis, especialmente a solar fotovoltaica e a eólica, caiu no mundo todo devido aos avanços tecnológicos. De 2010 a 2020, esse valor reduziu em média em 85% para energia fotovoltaica e em 56%, para energia eólica.

Nesse sentido, os países mais desenvolvidos combinaram políticas orientadas a criar e/ou ampliar os mercados internos com a inserção das suas empresas em mercados internacionais de energias renováveis, o que resultou nos países desenvolvidos liderando uma vez mais os investimentos internacionais em energias renováveis e concentrando os maiores avanços tecnológicos na área. Empresas da Europa, em particular de Itália, Espanha e França, têm sido os principais investidores no mundo todo, exceto na Ásia e o Pacífico, onde predominam os investimentos intra regionais. No mundo, as tecnologias solar e eólica se afirmaram como prioridade, sendo que a maioria dos projetos de IED que foram anunciados foram dirigidos a elas. Entre 2005 e 2022, a energia eólica atraiu projetos de IED por 570 milhões de dólares, a energia solar por 444 milhões de dólares e a energia proveniente de biomassa e biocarburantes por 170 milhões de dólares. Essas três tecnologias representam 70% do valor de todos os anúncios do setor. Do que decorre que as agendas políticas dos países desenvolvidos orientadas a promover a transição energética tiveram impacto significativo nas tecnologias renováveis emergentes, sobretudo nas de armazenamento.

Na América Latina o setor de energias renováveis também tem sido um dos que atraíram maior nível de investimentos estrangeiros. De 2005 a 2022, foram feitos mais de 800 anúncios de projetos de IED dirigidos a este setor da região, por um total de quase 170 milhões de dólares. Brasil, Chile, México, Panamá e Peru foram os principais países de destino desses fundos, e, em consonância com a tendência mundial, as tecnologias solar e eólica captaram a maior quantidade de projetos de IED e representaram mais do 70% de todos os anúncios de investimentos em energia renováveis (Cepal, La inversión extranjera directa en América Latina y el Caribe, 2023).

Todavia, no caso do Brasil, é necessário analisar que setores e famílias foram atingidos pelos benefícios do uso das fontes fotovoltaicas e que grupos de população mais vulneráveis ainda permanecem sem acesso a estes sistemas, e que este é aspecto decisivo para a real efetividade da política de transição energética e para cumprimento do objetivo de acesso a energias limpas em forma justa e inclusiva.

Carlos Raul Etulain é pesquisador do Eixo IV do CPTEn – http://lattes.cnpq.br/2884551556176766
Temidayo James Aransiola é pesquisador do Eixo IV do CPTEn – http://lattes.cnpq.br/9071602758122013

Texto: dossiê Transição Energética da revista ComCiência

Ilustração de capa: Paola Champi | midiáloga bolsista do Campus Sustentável Unicamp