“A eficiência energética não é só eletricidade”, esclarece pesquisador ampliando rede de decisões mais sustentáveis

“A eficiência energética não é só eletricidade”, esclarece pesquisador ampliando rede de decisões mais sustentáveis

A ideia aborda o caráter transversal do uso eficiente de energia, distanciando o conceito de uma perspectiva meramente técnica

 

Em 2016, o primeiro projeto de eficiência energética da Universidade Estadual de Campinas foi aplicado na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) e recebeu financiamento do Programa de Eficiência Energética (PEE), regulamentado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Em seguida, incluíram, também, o Ginásio Multidisciplinar (GMU) e o Hospital das Clínicas (HC). O investimento de quase R$11 milhões possibilitou a eficientização de ares-condicionados, a substituição de quase 40 mil lâmpadas fluorescentes por dispositivos de tecnologia Led e a instalação de pouco mais de 1.600 quilowatts-pico (kWp) em geração fotovoltaica.

Para haver o uso consciente de energia é necessário o comprometimento de todos os setores e cidadãos beneficiados com esse recurso. Essa condição evidencia o nível de complexidade para a aplicação de medidas coletivas e eficazes de combate ao consumismo energético. Ao explicar isso, Gilberto de Martino Jannuzzi, professor da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM|Unicamp), perpassa aspectos estruturais, econômicos e comportamentais atribuídos à eficiência energética, que impactam num desenvolvimento mais sustentável.

Ele alerta que a eficiência do sistema energético vai além da eletricidade, por isso, é necessário dar atenção, também, para questões como a eficiência em gás natural e gasolina. O que tem a ver com o tipo de veículo das pessoas, como elas o conduzem e as condições urbanas. “Nós estamos no campus universitário, as pessoas se movimentam, então, a Unicamp podia tentar acentuar, por exemplo, uma arborização de maneira que elas pudessem caminhar mais ou usar bicicletas”, indica. Atualmente, foram mapeadas pouco mais de 14 mil árvores fazendo parte da flora do campus sede em Barão Geraldo. 

Outro desafio vem do planejamento de estratégias elaborado após a construção dos prédios. Assim, muitas vezes, essas implementações apenas remediam os impactos condicionados pelas infraestruturas pouco eficientes. Quase sempre essas unidades não estão estruturadas para receber a luminosidade e a climatização natural. “Os vidros que também não isolam, o próprio prédio não é termicamente muito adequado, então, às vezes perde o frio que você tenta guardar ou deixa entrar o calor”, relata o pesquisador, reforçando critérios imprescindíveis para construções mais eficientes.

Ao encontro disso, pesquisadores da Unicamp analisam o desempenho energético dos edifícios. A partir do método prescritivo do Programa Brasileiro de Etiquetagem (PBE/Inmetro), os critérios de avaliação estão concentrados no desempenho dos sistemas de envoltória (condição externa), iluminação e ar-condicionado dos prédios. Apesar dos esforços empreendidos e das melhorias alcançadas na FEM, todos os seus blocos receberam Etiquetagem C em eficiência energética. O diagnóstico sugeriu, ainda, ênfase nas melhorias internas, pois a área vegetal do entorno deste local estudado está comprometida devido às exigências de trafegabilidade.

“Existe todo esse campo de atuação que tem a ver, também, com eficiência energética, porque queremos reduzir o consumo de energia em todas essas áreas. Vale a pena chamar atenção para os consumos indiretos. Se economizamos água, estamos indiretamente precisando de menos água para fazer as nossas atividades nos restaurantes, portanto, não necessitamos bombear tanta”, esclarece. Lógica que se economiza água também se gasta menos energia elétrica. 

Compras de aparelhos 

A definição de um critério para compra de aparelhos, equipamentos e dispositivos mais eficientes é algo que deve partir, também, da política interna. “Se a Unicamp começa a fazer licitações onde ela coloca ‘olha, eu quero equipamentos com esse nível de eficiência energética’ ou ‘quero até fazer uma inovação: quero o equipamento mais eficiente do mundo’. Isso alguns países fazem, possibilitando que muitas inovações que estão na prateleira ganhe mercado, porque cria espaço”, argumenta Jannuzzi sobre os processos de compras via licitações. 

Luiza Manzano de Oliveira, coordenadora de aquisições de materiais da Unicamp, esclarece que cabe à unidade interessada na aquisição do objeto a elaboração do descritivo técnico requerido. “Assim, recebemos das unidades o detalhamento de todas as especificações necessárias para garantir a qualidade e a eficiência energética dos equipamentos”, afirma. 

A partir dessas informações, a Divisão de Suprimentos da Diretoria Geral da Administração (DS – DGA) elabora o procedimento licitatório com o intuito de adquirir, pelo critério de menor preço de mercado, o objeto que atenda integralmente ao detalhado pela unidade. “Diante disso, entendemos ser de suma importância o trabalho de conscientização das unidades na escolha de descritivos técnicos que estejam em consonância aos princípios de eficiência energética”, aconselha a coordenadora. 

Ela diz ainda que a Unicamp possui órgãos técnicos especializados, como o  Centro para Manutenção de Equipamentos (CEMEQ), desenvolvendo descritivos específicos para a realização de Registro de Preços de aparelhos de ar-condicionado e computadores. 

Transversalidade 

Para exemplificar mais ainda o sentido transversal de eficiência energética, o professor cita a reciclagem de alumínio. “Quando falamos de reciclagem de material e produtos, essa economia circular tem a ver com o comportamento e a parte econômica, pois estaremos otimizando os recursos materiais. Porque só reciclamos recursos materiais, não se recicla energia”, ressalta Jannuzzi. Ao invés de gastar mais energia com a produção de alumínio, a reciclagem de latas reaproveita boa parte daquela consumida para o primeiro produto no beneficiamento da bauxita principal fonte natural de alumínio. 

Do ponto de vista mais estruturante, a eficiência energética é compreendida nas tecnologias, infraestruturas prediais e nos sistemas de transporte, que exigem menos intensidade de energia frente aos modelos tradicionais. Junto disso, a categoria comportamental baseada nos hábitos e padrões aquisitivos das pessoas desemboca no aspecto econômico. Em geral, consumir menos energia significa poupá-la, então, investir em sistemas e tecnologias mais eficientes é mais econômico? Diante dessa situação o professor destaca a importância dos financiamentos e das demais questões econômicas. 

Se a eficiência energética é um serviço associado à energia com benefícios públicos, faz sentido parte das suas ações receber investimentos advindos dos recursos públicos. Um bem público que funciona como instrumento para a compreensão dos consumidores conforme suas responsabilidades. “São muitos agentes e, às vezes, o potencial que você tem na sua casa é pequeno, mas se você somar o seu, o meu e o dos vizinhos(…). A política pública tem o aspecto de coordenar essas ações individuais. Assim, é importante que dirigentes e gestores públicos vejam o papel que têm”, complementa. 

Legislação

A Lei nº 9.991 de julho de 2000 dispõe sobre os investimentos que devem ser feitos por parte das empresas concessionárias, permissionárias e autorizadas do setor de energia elétrica brasileiro. “É um recurso recolhido dos consumidores através da conta de eletricidade, então, uma parte desse recurso vai para um fundo do governo, outra para o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel) e o restante fica nas empresas. Disso, elas são obrigadas a fazer investimentos em eficiência energética com esses recursos, que é nosso, que é do consumidor”, salienta.  

“Essa mesma lei ou resolução é recorrentemente renovada. Não conseguimos de uma maneira muito efetiva colocar no mercado brasileiro que o consumidor invista [em eficiência energética]. Melhoramos, mas ainda assim temos esse mecanismo de obrigar que sejam feitos investimentos, porque o mercado sozinho não tem conseguido aproveitar esse potencial”, analisa Jannuzzi, recordando que lá na década de 90, quando iniciada a discussão sobre esse mecanismo, havia o entendimento de que o mercado sinalizaria gradualmente e que o consumidor perceberia ser mais interessante para ele consumir menos eletricidade e comprar, por exemplo, lâmpadas eficientes.

Autor: Inácio de Paula | Escritório do Campus Sustentável
Edição de imagem:  Anderson Freitas