“Eu não tenho. Eu preciso de energia (elétrica) solar”, reivindica Álvaro Tukano, liderança indígena, sobre o acesso à eletricidade

“Eu não tenho. Eu preciso de energia (elétrica) solar”, reivindica Álvaro Tukano, liderança indígena, sobre o acesso à eletricidade

No ENEI, pesquisadores do Campus Sustentável promoveram fórum sobre energias renováveis e acesso à eletricidade para comunidades remotas 

A eletrificação de comunidades remotas motivou o Fórum de Meio Ambiente e Sustentabilidade, na última quarta-feira, 27, durante o 9.º Encontro Nacional de Estudantes Indígenas (ENEI), na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Lideranças indígenas, pesquisadores e empresários discutiram estratégias de pesquisas e projetos prevendo a garantia de acesso permanente à eletricidade. Além do Campus Sustentável – Unicamp, o evento recebeu apoio da Prefeitura Universitária, da Diretoria Executiva de Planejamento Integrado (DEPI), e das Coordenadorias de Sustentabilidade (CSUs) e de Gestão Ambiental e Resíduos (GEARE).

“Os nossos jovens (indígenas) que estão aqui (na Unicamp), alguns que fazem engenharias, sem dúvida, têm facilidade de compreender e para fazer esses projetos. Nós merecemos também a luz. Algo que depende muito da capacidade e boa vontade que não faltam nas universidades. Praticar isso é dar autodeterminação aos povos indígenas e aos membros da sociedade rural. Os filhos de senadores e outros burgueses têm luz e nós não. Eu não tenho! Eu não preciso de burguês, eu preciso de energia (elétrica) solar”, pontuou Álvaro Tukano, ativista indígena.

Além do debate que contou com a participação da Dra. Sol Soluções em Energia e a Systemiq, o Circuito em Laboratório Vivo foi uma atividade em que os participantes conheceram projetos e pesquisas com potenciais de soluções para esse problema de acesso. João Lucas de Souza Silva, pesquisador do Laboratório de Energia e Sistemas Fotovoltaicos (LESF) da Unicamp, enfatiza a geração fotovoltaica como alternativa de acessibilidade para essas comunidades e a compara com o modelo convencional.

“Geração centralizada requer, geralmente, a confecção de usinas distantes dos centros de cargas. Logo, é preciso a criação de linhas de transmissão e subestações, e, para isso, existe a necessidade de desmatar grandes áreas, também gera para o futuro algum lixo, fora os custos com manutenção. Assim, é altamente sustentável para essa situação o uso de baterias e solar, principalmente, sendo que as baterias duram 15 anos hoje, modelos de LFP e NMC”, justifica o pesquisador.

Paulo Gonçalves Cerqueira, diretor do Departamento de Políticas Sociais e Universalização do Acesso à Energia Elétrica do Ministério de Minas e Energia, em audiência realizada em junho de 2021 na Câmara dos Deputados, declarou que durante o desenvolvimento do Programa Luz para Todos (decreto n.º 7.520/2011), criado em 2003, foi identificada uma demanda diferenciada de logística para o atendimento de algumas regiões remotas do Brasil: “Um conjunto de comunidades, populações localizadas em regiões, que estamos chamando de regiões remotas de sistemas isolados, onde não é possível a chegada de energia com extensão de rede convencional”, esclareceu. 

Para resolver esse impasse, em 2020, surgiu o programa Mais luz para a Amazônia (decreto n.º 10. 221/2020). Segundo o diretor, essa articulação possui o regramento e as especificidades necessárias para o atendimento dessas regiões, principalmente por meio de tecnologias fotovoltaicas. A expectativa é que com a conclusão desse programa, o Brasil entre para o grupo de países com 100% do atendimento de energia elétrica para a sua população. “A única demanda que temos ainda hoje é rural, nos nove estados que compõem a Amazônia Legal, mais uma parte de Goiás, Bahia, Piauí e o Pantanal Mato-grossense”, mencionou. 

Em 2021, por meio da parceria com o Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé) e a Easy Watt, o Campus Sustentável – Unicamp participou da instalação de usinas fotovoltaicas nas comunidades indígenas Kumenê e Kumarumã. “Contribuindo com a realização do Fórum de meio ambiente e sustentabilidade, criamos a ambiência necessária para o diálogo de troca de saberes. Discussão que promove a socialização de vivências e experimentações que integram a Universidade, os territórios e movimentos indígenas”, comentou Danúsia Arantes, pesquisadora do Campus Sustentável – Unicamp.

Garantia de acesso

O levantamento realizado pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) estimou que, somente na região da Amazônia Legal, quase 1 milhão de brasileiros não conseguem ligar lâmpadas ou aparelhos que dependem da eletricidade na sua casa. Essa estimativa surgiu dos trabalhos realizados entre 2019 e 2020, propondo referência para a situação nacional de 2018. Entre os grupos citados estão 212.791 moradores de assentamentos rurais, 78.388 indígenas, 59.106 habitantes de unidades de conservação (UCs) e 2.555 quilombolas. Outro levantamento, feito pelas distribuidoras de energia elétrica, contabilizou que mais de 427 mil famílias em áreas rurais vivem sem esse recurso.  

“Falam para preservar nossos conhecimentos e nós não temos energia (elétrica). Nós precisamos dela justamente para atender, em especial, os grandes curandeiros e as grandes curandeiras, que não falam português ou outras línguas (que não seja a própria). Lá é que está o segredo. Creio que a Unicamp está puxando essa discussão num momento apropriado. Nós somos dependentes de alta tecnologia e igualdade, e, sem elas chegarem em nós, é pura ‘balela’. Nós queremos ver a verdade! Onde está a energia da placa solar. O Sol vai resolver problemas mundiais, sem dúvidas!”,  reivindica Álvaro Tukano. 

Em 2010, o último Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicou que cerca de 2,4 milhões de pessoas não tinham acesso ao serviço público de energia elétrica na Amazônia. A Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD-IBGE) de 2019 destacou a região Norte com a menor porcentagem (98,8%) da população com acesso, sendo o Acre o estado brasileiro com o menor índice  (97,4%) no quesito da proporção da população.

O Relatório de Progresso Energético de 2022 contabilizou 733 milhões de pessoas da população mundial sem acesso à eletricidade.  O problema intensifica uma preocupação em torno do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 7, que, apesar de algumas melhorias, o ritmo lento desse crescimento demonstra que, provavelmente, até 2030, não será assegurado, para aproximadamente 670 milhões de pessoas, o acesso universal, confiável, moderno e a preços acessíveis aos serviços de energia, conforme estipula a Meta 7.1. O que representa 8% da população mundial sem acesso à eletricidade. 

  • Antonio José de Almeida Meirelles, professor e atual reitor da Unicamp, durante abertura do Enei 2022.

Indicação de vídeo:  Amazônia no Escuro.  

Inácio de Paula | texto escrito 
Eyder Gomes e Matheus Henrique | texto imagético