Bandeira de escassez hídrica cria novo patamar de cobrança na conta de luz

Bandeira de escassez hídrica cria novo patamar de cobrança na conta de luz

A nova bandeira tarifária da conta de eletricidade impõe aos brasileiros um aumento de 50% em relação à bandeira vermelha patamar 2, até então a mais alta.

O alto preço da tarifa na conta de luz acontece devido ao aumento no custo de geração da eletricidade. Desde setembro de 2021 foi inserida a bandeira de escassez hídrica no Sistema Interligado Nacional (SIN), conforme determinação da Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (CREG). De acordo com a Medida Provisória nº 1.055/2021 que rege a nova bandeira, ela busca garantir a continuidade e a segurança do suprimento eletroenergético no Brasil.

Até agosto de 2021, havia apenas três bandeiras: verde, amarela e vermelha. Esta última se desdobra nos patamares 1 e 2. A primeira [verde] indica condições favoráveis de geração de energia e não adiciona acréscimo ao valor da fatura. Já a segunda [amarela] é um sinal de alerta para os consumidores e propõe uma tarifa adicional de R$ 1,874 por 100 quilowatt-hora (kWh). A terceira [vermelha] se refere a uma categoria crítica e um acréscimo de R$ 3,971 a cada 100 kWh [patamar 1] ou de R$ 9,492 a cada 100 kWh [patamar 2].

Mas, atenção, todos esses valores mencionados pelas bandeiras são taxados também em consumos menores. Por exemplo, se o gasto foi de apenas 98 kWh, não atingindo 100 kWh, ainda assim acontece uma cobrança equivalente, proporcional à bandeira vigente. Ou seja, para cada 1 kWh consumido você pagará 1% do valor estipulado pela bandeira, além do custo da tarifa de energia elétrica determinada pela distribuidora local.

Em setembro a crise hídrica se agrava e entrou em vigor a nova bandeira tarifária, resultando no acréscimo de R$ 14,20 por 100 kWh consumido. A cobrança deixa a conta de luz quase 7% mais cara e os seus impactos potencializam um aumento que já tinha ocorrido em junho para a bandeira vermelha patamar 2, de R$ 6,24 para R$ 9,49. Ou seja, um reajuste de 52% a mais a partir da taxação vigente até junho. Isso significa que entre junho e setembro, a conta que chega a sua casa passou por três aumentos mas, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o consumidor não paga se economizar.

Para entender melhor o que tem acontecido com a sua conta de luz e a influência da bandeira tarifária na sua fatura, considere a média de consumo de um refrigerador com duas portas frost free direto do Selo Procel, que é de 48 kWh/mês e de um chuveiro elétrico com potência de 5.500 W, que na posição verão é reduzida para 3.550 W.

Na bandeira de escassez hídrica, o excedente pago pela utilização da geladeira é de 48 kWh x R$0,142 = R$6,81 (equivalente a 48% do valor da bandeira), além do custo da tarifa, que pode ser conferida na sua concessionária no Ranking das tarifas. Já o custo de 1 minuto de banho por 30 dias (equivalente a 0,5 horas de banho por mês) tem o acréscimo de R$0,25 na posição verão (0,5 h x 3.550 W x R$0,142). Com isso, um banho de 10min. X 30 dias na posição verão aumenta a conta em R$2,52 apenas com bandeira tarifária, fora todo o custo da energia.

Matriz Elétrica

Segundo o Balanço Energético Nacional 2021, o Brasil dispõe de uma matriz elétrica de origem predominantemente renovável, com destaque para a fonte hídrica que responde por 65,2% da oferta interna. O levantamento foi realizado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e tomou como base o ano de 2020. A diminuição das chuvas que ocorre desde 2019 tem impactado com baixo nível de água nos reservatórios.

Assim, a baixa produção energética da principal matriz brasileira é uma consequência da pior seca enfrentada no país em 91 anos, explica Pedro Leite da Silva Dias, climatologista e professor de ciências atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP), durante entrevista ao Fantástico, em julho deste ano.

Já David Zylbersztajn, professor da PUC Rio, durante entrevista ao Jornal Nacional, explica que faltou planejamento do Governo Federal. “O governo demorou para agir. O governo errou também quando dizia que não se pensa na hipótese de racionamento. Tecnicamente falando, quando você tem um regime de chuvas que não corresponde à média, você tem que olhar para a frente. Esse é o papel de quem planeja, ou seja, você tem que começar a trabalhar com cenários onde os riscos existem e, principalmente quando você analisa riscos, você vê a consequência do que acontece se esses riscos se materializarem”, afirmou para o jornal.

Para saber mais sobre o posicionamento do Governo Federal frente a esse problema, acesse a notícia Falas de Bolsonaro sobre crise contradizem técnicos, diz especialista da CNN. Trata-se de um comportamento negacionista que não apenas trabalha para negar algo, mas principalmente instaurar a dúvida na sociedade sobre determinada coisa, mesmo diante dos fatos.

Dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) mostram que em agosto a geração de energia hidrelétrica teve sua maior queda desde 2001, gerando apenas 32.961 MWmed naquele mês. Assim, para suprir a demanda de energia elétrica é necessário realizar a importação de energia dos países vizinhos para o Brasil, por exemplo do Paraguai, e ligar a geração de energia por termelétricas.

Transição Energética

Importar eletricidade e religar usinas termelétricas parecem soluções imediatas, mas também são sinais de alerta. De modo geral, ambas elevam o valor pago pelo consumo, porém outras questões entram em jogo, principalmente no que diz respeito à utilização de combustíveis fósseis, como gás natural, carvão e diesel. Ou seja, ocorre uma produção mais poluente frente ao padrão brasileiro.

“A energia elétrica é um produto como qualquer outro no mercado, quando escassa o preço sobe e quando farta o preço cai”, é o que destaca Luiz Carlos da Silva Pereira, coordenador do Campus Sustentável e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Para ele, uma das alternativas seria a adoção de matrizes renováveis adequadas às disponibilidades climáticas e ambientais de geração energética limpa.

O professor reforça o papel das comunidades científicas no protagonismo dessas alternativas. A Unicamp, por exemplo, por meio do Laboratório Vivo de Eletricidade Campus Sustentável – Unicamp, tem desenvolvido ações, projetos e pesquisas, voltadas para a eficiência energética e a geração de energia fotovoltaica, moderando o consumo de forma consciente.

É a ideia da transição energética para fontes renováveis diversificadas, que se distancia da dependência hidrelétrica e busca em outras alternativas a expansão das matrizes elétricas, como a solar, eólica e biomassa. No entanto, a convivência com crises energéticas deve ser encarada como uma constante mundial, à medida que a geração de energia por matrizes renováveis depende de condições climáticas favoráveis às quais não temos controle. Para isso, é fundamental uma adequação cultural e econômica da sociedade, mais sincronizada com a oferta de energia e outros recursos que o planeta disponibiliza de forma sustentável.

Giovana Sanches e Inácio de Paula | texto escrito
Giovana Sanches | texto imagético