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O ambiente térmico e o conforto: deleite ou desgosto? - Campus Sustentável
 

O ambiente térmico e o conforto: deleite ou desgosto?

O ambiente térmico e o conforto: deleite ou desgosto?

A palavra conforto, segundo o dicionário Houaiss, tem o significado de bem-estar material, comodidade física satisfeita; aconchego; também de experiência agradável; sensação de prazer, de plenitude, de bem-estar espiritual. Ainda segundo Houaiss, confortável, entre outras acepções, é o que proporciona conforto físico, comodidade. Desde tempos muito antigos, o ser humano buscou o conforto, no sentido de comodidade física satisfeita. Para isso, necessitava, além de satisfazer as exigências de sobrevivência, de um abrigo, onde pudesse descansar e se proteger das intempéries, dos rigores climáticos.

Há muitos exemplos dessa capacidade excepcional do ser humano de criar ambientes – abrigos, nas situações mais desfavoráveis: o iglu, a edificação tradicional árabe, as moradias quase que totalmente abertas no Trópico Úmido. Aprendeu a criar sistemas de aquecimento – fogueiras, lareiras, aquecedores a carvão, a gás, chegando aos atuais sistemas sofisticados de aquecimento para países de climas frios.

Também aprendeu a se refrescar, buscando a vestimenta leve, adequada ao calor, a proximidade da água, a construir sistemas muito eficientes de ventilação natural, como torres de vento, a procurar a sombra das árvores. Seja para se proteger do frio, seja do calor, o fato é que as pessoas aprendiam a conhecer o clima de sua região, e a construir seus abrigos de acordo com as condições climáticas. Esse conhecimento era passado “de pai para filho”, evoluindo e, com sua evolução, permitindo um aperfeiçoamento do abrigo, no qual as condições ambientais fossem cada vez mais confortáveis.

O abrigo, portanto, apresentava uma condição ambiental confortável.

O conforto ambiental está relacionado às condições do habitat, entendido como o ambiente onde o ser humano vive, trabalha, dorme, tem suas atividades de lazer. A grande maioria das pessoas exerce essas atividades em ambientes fechados. O lazer também é bastante praticado em ambientes externos; nesse caso, a pessoa pode escolher a hora mais adequada – caminhar ao sol em dias frios, ou sentar-se com amigos em um café, abrigados do sol, em dias quentes, ou recebendo um vento refrescante nas noites de calor.

Há, porém, atividades humanas de trabalho que são necessariamente exercidas no ambiente externo: carteiros, limpadores de ruas, trabalhadores na coleta de lixo ou na construção civil, feirantes, os tão presentes em nossas cidades vendedores ou distribuidores de material de propaganda em semáforos. Trabalham sob sol ou chuva, em condições precárias de conforto (mais precisamente, desconforto). Motoristas de ônibus, de caminhão, de táxi, também exercem suas atividades em ambientes que podem ser inóspitos, pois, apesar de protegidos do sol e da chuva, trabalham próximo a uma grande fonte de calor, além do estresse a que estão sujeitos em seu cotidiano.

Com o desenvolvimento da tecnologia, foram projetados sistemas de condicionamento de ar, que evoluíram para uma eficiência cada vez maior. Através desses sistemas, as pessoas adquiriram um poder muito grande de controle sobre o ambiente térmico. Com isso, muitos elementos de projeto que permitiam a adequação ao clima de dada região se perderam, observando-se certa universalização da arquitetura, com grandes “caixas de vidro” sendo construídas em cidades com climas e latitudes tão distintas como o trópico úmido, clima temperado, clima quente-seco, regiões muito frias. Afinal, o condicionamento do ar resolveria todos os problemas de conforto térmico.

Não se levou em consideração, porém, a energia necessária para o condicionamento do ar, e o fato de que nem todas as fontes de energia provêm de recursos da natureza renováveis.

A energia necessária para condicionar um edifício todo envidraçado numa região de grande insolação é muito grande. A crise do petróleo da década de 70 do século passado, a conscientização para a questão ambiental e de sustentabilidade levaram a um despertar para o problema do edifício projetado sem consideração do clima local. Infelizmente esse despertar ainda está muito concentrado nas universidades e centros de pesquisa, sendo muito difícil a transferência do conhecimento para o profissional de projeto. Para o condicionamento de um ambiente, definem-se as condições térmicas que se consideram desejáveis para as pessoas.

Mas como ficam as diferenças de indivíduo para indivíduo, as preferências pessoais, as distintas atividades exercidas num mesmo ambiente? Seria possível chegar a um consenso sobre o controle das condições ambientais através do condicionamento de ar? Ou aquele ambiente traria o deleite para alguns e o desgosto para outros? Essa dúvida incentivou os pesquisadores a investigar os parâmetros que influem no conforto, no sentido de se buscar indicadores de conforto térmico, que satisfariam o maior número possível de ocupantes.

Assim, desenvolveram-se estudos e normas foram estabelecidas, tanto sobre o conforto térmico, como sobre a sobrecarga térmica a que estão sujeitas pessoas trabalhando em ambientes com fontes de calor. O conforto térmico foi definido, nas normas que dispõem sobre as condições térmicas adequadas para a ocupação humana, como “aquele estado de espírito que expressa satisfação com o ambiente térmico”. Observa-se, pela própria definição, a dificuldade de se trabalhar com um conceito bastante subjetivo.

Os estudos mostram que o conforto térmico depende não apenas da temperatura do ar, como de outras variáveis do ambiente, como a umidade do ar, velocidade do ar, temperatura radiante (um parâmetro que leva em conta os efeitos da radiação térmica das superfícies sobre as pessoas). Depende também da taxa metabólica correspondente à atividade exercida, e da roupa que a pessoa está vestindo, pois esta serve como barreira às trocas de calor entre a pessoa e o ar. Para sentir-se confortável é necessário o equilíbrio nas trocas de calor entre a pessoa e o ambiente. Foram estabelecidos diferentes métodos de avaliação do ambiente térmico, tanto para ambientes condicionados como para aqueles ventilados naturalmente.

O Conforto Térmico, o Projeto e a Arquitetura Bioclimática

O conforto ambiental depende, certamente, de outras condições do ambiente, além da térmica. Leva-se em conta o conforto acústico, visual ou luminoso, a funcionalidade do ambiente. Considerar também como um fator de conforto a qualidade do ar interior, que vem sendo extensamente pesquisados nos últimos anos devido a problemas com contaminantes do ambiente, vindos de tintas e outros materiais de acabamento, tapetes, carpetes e cortinas, presença de ácaros e fungos, além da limpeza precária em tubulações de ar condicionado central.

Não se deve analisar cada aspecto do conforto isoladamente dos demais. Há conflitos: abrir a janela pode melhorar o ambiente térmico, mas permite a entrada de ruído externo. Aparelhos de ar condicionado ou ventiladores em geral são ruidosos. Áreas envidraçadas permitem o ingresso da luz natural, mas juntamente com ela, a radiação do infravermelho próximo, que aquece o ambiente. É necessária uma análise global de todos os aspectos, ainda na fase de projeto, pesando-se os fatores, para se chegar a uma solução ótima.

O desenvolvimento do estudo dos índices de conforto e sua aplicação em normas representaram um grande avanço para a melhoria das condições ambientais, principalmente em ambientes de trabalho onde se realizam atividades sedentárias. Mas supunha-se o ambiente termicamente condicionado. A “internacionalização” da arquitetura, comentada anteriormente, trouxe problemas ambientais sérios para todo o planeta.

A chamada arquitetura bioclimática representou uma tomada de consciência.  É definida como a arquitetura que procura assegurar a existência e o bem-estar de organismos biológicos em dadas condições climáticos, com base na ciência da arquitetura, especialmente energética.  Rejeitam ambientes desumanos e com desperdício de energia, as caixas de vidro e os arranha-céus. Rejeita a arquitetura dominada pela moda, retorna às necessidades e valores humanos básicos, encoraja o regionalismo.

Essa definição foi dada por Victor Olgyay ainda na década de 60 do século passado. Atualmente a preocupação com a sustentabilidade ambiental tem se sobreposto a esse conceito. Não basta economizar energia, outros indicadores de sustentabilidade necessitam ser pensados no ato de projetar e construir.

O habitat sustentável favorece a otimização do conforto térmico, a utilização de recursos mínimos de modificação mecânica (ou artificial), o uso racional de recursos energéticos, o desenho correto do ambiente construído, o uso inteligente dos elementos de desenho urbano, arquitetônico e construtivo.

Na escala do edifício, é necessário trabalhar inteligentemente com o Sol, o Vento e os Materiais. Inicialmente, analisar o clima da região, identificar os períodos quentes e os períodos frios, e sua respectiva duração. Avaliar as necessidades para cada período e resolver os conflitos entre essas necessidades equilibradamente. O passo seguinte é decidir a implantação, que seja a melhor possível, dentro das limitações do lote, otimizando a orientação, pensada tanto em relação ao sol quanto à direção dos ventos predominantes.

Para os períodos quentes, prever proteção contra a insolação, sombreamento de áreas envidraçadas, analisar a orientação e localização adequadas das aberturas, respeitando a correta relação janela-fachada (WWR – window-wallratio). Utilizar materiais refletores e cores claras. Paredes verdes, com trepadeiras e outros sistemas, são excelente estratégia de sombreamento.

Prever um bom isolamento térmico da cobertura, com câmara de ar ventilada no ático, entre as telhas e a laje. Escolher adequadamente os materiais, dimensões, espessura. Em regiões em que seja recomendável, utilizar materiais de grande capacidade térmica, para o amortecimento e atraso da onda de calor. Favorecer a ventilação cruzada, circulação vertical do ar, eliminação do calor interno, principalmente através do resfriamento noturno.

Para os períodos frios, prever o aproveitamento máximo da insolação, a proteção dos ventos frios, a utilização de materiais de grande capacidade térmica, o isolamento do exterior para manter o calor interno e reduzir a condensação sobre a face interna das paredes externas.

Em relação à implantação de moradias: privilegiar lotes com frentes mais largos, adotar o coeficiente de aproveitamento adequado, afastar a casa dos limites do lote, propiciar boa ventilação (estrutural), privilegiar a vegetação, com árvores para prover sombra, presença de arbustos e grama, que permitem a penetração da água de chuva, evitam um aquecimento maior do ar através da evapotranspiração e menor emissão de radiação de onda longa.

Quanto à orientação e forma da casa, privilegiar as formas alongadas, com eixo no sentido leste-oeste; na fachada norte, utilizar beirais grandes e/ou varandas. Nos quartos voltados para fachada leste, prever proteção para atividades de longa duração. Evitar aberturas na fachada oeste e também a fachada sul para quartos. Esses são princípios básicos para se conseguir ambientes saudáveis e confortáveis, proporcionando qualidade de vida a seus moradores e usuários. O conhecimento e aplicação de outras técnicas passivas de condicionamento de ar certamente serão úteis para um desempenho térmico ainda melhor da edificação.

A Escala Urbana

Na escala urbana, o conforto humano depende basicamente dos mesmos fatores de projeto.  A incidência de radiação solar direta sobre as pessoas pode ser evitada se houver arborização, não somente em praças, mas também em ruas, passeios, áreas de circulação. Não se deve utilizar asfalto em estacionamentos, e outros locais públicos, devido à sua altíssima absorção da radiação solar e a consequente emissão intensa de radiação de onda longa. Deve ser substituído por materiais mais claros, que absorvem menos a radiação solar. Para as calçadas, é recomendável a alternância de espaços gramados com pavimentação.

Muitas das soluções para a escala urbana dependem do poder público. Desde a implantação de novos loteamentos, quando em geral não se considera a adequada distribuição e orientação dos lotes, seguindo-se quase que invariavelmente o modelo brasileiro de lote estreito e comprido.

A conservação máxima da vegetação existente e o plantio de novas árvores, com a exigência de não pavimentação de um percentual definido da área do lote no espaço livre, favorecem a drenagem das águas de chuva. Um esforço educacional nesse sentido também é necessário, mostrando a crianças e adultos a importância do ambiente público limpo, agradável, confortável. O deleite térmico, como escreve Lisa Heschong, em seu brilhante ThermalDelight in Architecture.

Lucila Chebel Labaki | Professora na Unicamp| Campus Sustentável – texto escrito.

Giovana Sanches | Campus Sustentável – texto imagético.