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Regulação, direitos humanos e diálogo entre campos do conhecimento - Campus Sustentável
 

Regulação, direitos humanos e diálogo entre campos do conhecimento

Regulação, direitos humanos e diálogo entre campos do conhecimento

Regulação, direitos humanos e diálogo entre campos do conhecimento dizem respeito ao recorte do Eixo II do Centro Paulista de Estudos da Transição Energética (CPTEn). A compreensão do escopo normativo que trata da transição energética é fundamental quando se pensa em materializar resultados das pesquisas elaboradas no âmbito do CPTEn. O Eixo II contempla a orientação para a construção de políticas públicas que resultam das pesquisas sobre a transição energética.

Não é tarefa simples compreender os limites normativos que envolvem o tema, dado que o Direito Ambiental, por exemplo, é um campo do Direito que envolve o diálogo com a Engenharia, com a Geografia e com a Sociologia, dentre outras áreas. O Direito Administrativo tem o seu próprio estatuto e o Direito Constitucional, Direito Civil ou Processual Civil, para citar alguns aspectos da área, estão formulados com atualizações constantes do ponto de vista normativo e da jurisprudência. Acompanhar o que se desenha em âmbito legislativo sobre o tema da regulação, portanto, é condição fundamental para o desenvolvimento das pesquisas do Eixo II. É neste sentido que a regulação quanto à transição energética não deve ser concebida de forma apenas protocolar ou apenas normativa. Antes disto, a compreensão normativa não deve ignorar aspectos ontológicos, epistemológicos ou axiológicos (Assis, Vedovato, 2020).

Por aspectos ontológicos busca-se significar o ser das pesquisas ou o âmago das construções feitas. O debate ontológico refere-se, neste sentido, à própria identidade do CPTEn na medida em que é preciso perguntar sobre o que se produz e quais as consequências sociais daquilo que se produz. Os aspectos epistemológicos dizem respeito ao estatuto do conhecimento produzido (Mendonça, Juliano, 2016). Em outros termos, que tipo de saber o CPTEn tem se debruçado a construir? Há limites quanto ao que se está a produzir? Já os aspectos axiológicos tratam dos valores e princípios éticos derivados das construções realizadas sobre a transição energética (Mendonça, 2011). Neste sentido, a dimensão ética orienta as atividades e pesquisas para a necessária responsabilidade daquilo que se produz, vez que o Direito, enquanto ciência, não se afasta das dimensões morais e éticas presentes na vida em sociedade, mas estabelece critérios para com elas dialogar.

Sendo que a ética se constitui em baliza fundamental das pesquisas do Eixo II, e considerando os direitos humanos enquanto pano de fundo de qualquer construção científica, ao pensar a materialização ou as formas de viabilizar as construções sociais, não se pode deixar de lado princípios que orientam a vida humana (Siminoni, Assis, Vedovato, 2018).

O diálogo entre campos do conhecimento é essencial para o CPTEn que já define sua missão como interdisciplinar (Assis, 2017). No caso do Eixo II, sendo o Direito um campo também constituído de recursos provenientes de outras áreas do saber, assumir a dimensão dialógica é estratégico no sentido de buscar a efetividade de formulação de regulação que cuida, em última instância, da defesa dos direitos humanos; seja com pesquisadores dos demais Eixos, seja, sobretudo, com a ampla literatura que trata da transição energética.

O Eixo II do Centro Paulista de Estudos da Transição Energética (CPTEn) objetiva desenvolver pesquisas jurídicas, com elementos interdisciplinares, para alcançar soluções e tecnologias normativas inovadoras nas áreas de gestão, valendo-se, especialmente, do Direito Administrativo e do Direito Econômico, em consonância com a transição energética, com base, nas normas de Direitos Humanos, Direito Constitucional e Direito Ambiental, visando a melhorar a qualidade de vida das pessoas e a promover a sustentabilidade ambiental, econômica e social, enfatizando a transparência administrativa e de governança. Para tanto, a pesquisa de decisões judiciais, a análise da norma existente e a construção teórica da academia serão essenciais para que se possa propor inovações regulatórias compatíveis com o ordenamento jurídico brasileiro e com os direitos fundamentais, evitando-se debates judiciais que podem colocar a perder as normas criadas e a segurança jurídica esperada para o desenvolvimento do Estado de São Paulo.

É fundamental a construção de parcerias com organizações públicas e privadas na direção de viabilizar a transição energética do município de Campinas, do Estado de São Paulo e do Brasil. Considerando a singularidade temática do CPTEn em torno da transição energética, buscar o diálogo com o Ministério Público, com a Magistratura, com a Defensoria Pública e com a OAB, para citar algumas instituições essenciais quando se pensa a temática regulação, é igualmente essencial.

O Direito é um campo próprio do conhecimento que não se restringe às normas, à regulação, mas avança para o impacto na vida cotidiana das pessoas, o que se reflete na interpretação jurídica. Antes disso, trata-se de um campo epistemológico vivo que envolve outros campos como a Filosofia, a Sociologia, a Educação, a Ciência Política, a Psicologia e a História, para citar alguns, na direção de que o escopo de decisões judiciais engloba, necessariamente, uma determinada visão de mundo. Nessa direção, as pesquisas desenvolvidas no âmbito do CPTEn têm caráter multidisciplinar e isto significa a defesa, em última instância, de princípios caros como a dignidade da pessoa humana, a liberdade e, principalmente, a busca de segurança social que se manifesta pela efetivação dos direitos humanos.

O diálogo das várias áreas do conhecimento com o Direito é uma necessidade constante. A defesa de uma concepção de Direito crítico (Mendonça, Adaid, 2018) fundamenta a necessidade de trabalho interdisciplinar e aberto às demais áreas do saber. O Eixo II visa a criar esse campo de troca, pois sua pesquisa objetiva, dessa forma, trazer inovações regulatórias para os avanços tecnológicos de transição energética construídos pelo CPTEn, sem negligenciar avanços históricos e conquistas de direitos humanos reconhecidas interna e internacionalmente (Najera, 2023). O principal impacto da pesquisa será criar condições para aprimorar a criação normativa e a aplicação do direito ao mesmo tempo em que protegem direitos fundamentais e ambientais conquistados na democracia; sempre tendo em mente que o arcabouço normativo é fundamental para a atuação dos órgãos públicos e para guiar as ações do setor privado, gerando ambiente de segurança jurídica.

A proposta é inovadora no país, tendo inspiração nos mais avançados centros de pesquisa no mundo, dessa forma, o trabalho de regulação interdisciplinar tem desafios próprios. Do ponto de vista da agenda internacional, a construção guarda semelhanças com a atuação do Global Center for Legal Innovation on Food Environments, da Georgetown University, que é um espaço transnacional para estudo, pesquisa, treinamento, educação e publicação nos diferentes aspectos da prevenção da obesidade. Um fórum para intercâmbios entre países e interdisciplinares. O Eixo II, portanto, busca construir um espaço similar, porém, com o foco na transição energética.

Os desafios enfrentados pela inovação regulatória, inegavelmente, são variados, sendo possível antecipar que a construção normativa enfrenta: i. a necessidade de não haver lacunas na regulação; ii. o impedimento (ou diminuição ao máximo) das possibilidades de debates judiciais; e iii. a garantia de direitos fundamentais (Baptista, Silva, Fonseca, 2023). Ao pensar numa regulação capaz de garantir direitos fundamentais, o direito regulatório vem para amparar a criação de políticas públicas para buscar a efetivação das garantias de proteção do indivíduo, da sociedade, do meio ambiente e da sustentabilidade. Logo, é fundamental uma atuação estatal que busca zelar pela implantação das garantias com o intuito de se alcançar o acesso igualitário a oportunidades, o que configura suporte para implementação do direito à igualdade, sustentando, assim, o ODS 16, no que concerne às práticas inclusivas de desenvolvimento sustentável; além de visar a diminuição das vulnerabilidades e privações, com atenção ao alcance da erradicação da pobreza, o ODS 1.

É possível que, por meio de energia acessível e limpa, não apenas se faça valer a proteção do meio ambiente sadio para as gerações presentes e futuras, como também permita o acesso por aqueles que já não a possuem e, com a crise energética, ficará ainda mais difícil, o que auxilia a busca pela consecução do propósito do ODS 7 (Scotti, Pereira, 2023).

Construindo de outra maneira, tal fato se constitui como necessário em razão da crise energética vivenciada pelo Brasil, o que torna o acesso mais difícil, incrementando as desigualdades socioeconômicas muito presentes. Assim, buscar maneiras que permitam o acesso à energia limpa e acessível, faz valer a perspectiva do ODS 7, no sentido de construir o investimento em energia limpa como necessário uma perspectiva que possibilite a todas as pessoas delas usufruir, tendo consequências que impactarão na preservação ambiental e nos recursos naturais. É possível que isso seja uma medida que colabore para que a população consiga acessar serviços básicos e, com isso, apresenta-se como um modo de auxiliar na proteção social, corroborando com o que dispõe o ODS 1 e, em sequência, com o ODS 10, por se entender que é uma forma de inclusão social, de auxílio na quebra de cenários desiguais e no desenvolvimento do país.

Assim, a construção de uma legislação com tais aspectos com real cumprimento enseja na realização do ODS 16 – uma norma que se encontra em consonância com o desenvolvimento sustentável e sem práticas discriminatórias.

O trabalho do Eixo II envolve a apresentação das seguintes ações inovadoras:

  1. Elaboração de anteprojetos de normas (legais ou infralegais), sempre que for necessário para dar vazão às pesquisas sobre transição energética desenvolvidas na universidade e/ou caminhos normativos para o financiamento do CPTEn;
  2. Garantia da proteção da dignidade humana em todos os momentos, baseada em ações de abordagem de direitos visando a erradicação das vulnerabilidades e privações (Oliveira, Nandy, Fernandez, Vecchio, Assis, Vedovato, 2021);
  3. Elaboração de análises dos projetos de normas em tramitação nos Poderes da República e dos Entes Federativos, inclusive em agências reguladoras, relacionadas a Transição Energética;
  4. Elaboração de relatórios relativos a proteção de direitos fundamentais dos grupos atingidos por obras, ações e decisões relativas à transição energética;
  5. Elaboração de peças processuais para Ingresso como amicus curiae, visando a levar aos processos judiciais (em debates concretos ou abstratos) resultados de pesquisas desenvolvidas na universidade, relativas a Transição Energética.

Com isso, o Eixo II visa dar o amparo jurídico para transformar o Estado de São Paulo em líder e protagonista na gestão da energia e no processo de transição energética, tornando-o uma referência nacional e internacional (América Latina e Caribe), fomentando um ambiente dotado de efetiva segurança jurídica sintonizada com os avanços tecnológicos mundiais. Para isso, o CPTEn busca reunir talentos da pesquisa e do desenvolvimento tecnológico, fontes de financiamento, empresas e instituições, públicas e privadas, na geração de inovações que promovam as mudanças ambiental, econômica e social pretendidas.

Samuel Mendonça é pesquisador do Eixo 2 do CPTEn – http://lattes.cnpq.br/6369572439782922
Luis Renato Vedovato é pesquisador do Eixo 2 do CPTEn – http://lattes.cnpq.br/7171365095068677
Ana Elisa Spaolonzi Queiroz Assis é pesquisadora do Eixo 2 do CPTEn – http://lattes.cnpq.br/9527743086394186

Referências
Assis, A. E. S. Q. “Contemplem! Eis o comunicador da norma”. Quaestio Iuris (Impresso), v. 10, p. 241-257, 2017.
Assis, A. E.S.Q; Vedovato, L.R. “Interpretação jurídica: considerações para análise de políticas públicas”. Direito das Políticas Públicas, v. 2, p. 10-28, 2020.
Baptista, D. F. F; Silva, L. C. P; Fonseca, I. C. “A natureza jurídica da geração distribuída de energia elétrica no Brasil.” Direito Público, vol. 19, nº 104, 2023.
Mendonça, S. “Pressupostos éticos da educação da solidão”. Filosofia e Educação, vol. 3, nº 1, abril de 2011..
Mendonça, S; Juliano, L. F. M. “A necessária crítica para o método científico em Direito”. Rev. Direito Práx., Rio de Janeiro, Vol. 10, N. 02, 2019, p. 1594-1600.
Mendonça, S; Adaid, F. A. P. “Tendências teóricas sobre o ensino jurídico entre  2004 e 2014: busca pela formação crítica”. Rev. Direito GV, São Paulo, v. 14, nº 3, p. 818-846, set. 2018.
Oliveira, F. U.; Nandy, S.; Fernandez, G. F.; Vecchio, V. D.; Assis, A. E. E. Q.; Vedovato, L. R. “O que os brasileiros pensam ser necessário para que se tenha um padrão de vida digno em seu país? Estudo piloto na cidade de São Paulo”. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, vol. 4, 2021.
Najera, H. “Relative deprivation and the differential effects of the Covid-19 pandemic on the poor in Mexico”. Direito Público, vol. 19, n º 104, 2023.
Scotti, G.; Pereira, D. “Injustiça climática: a desigualdade social como violação à garantia de direitos”. Direito Público, vol. 19, nº 104, 2023.
Simioni, R. L.; Assis, A. E. S. Q. Vedovato, L. R. “Os novos donos do saber jurídico: a disputa pela ocupação dos espaços de produção de sentido do Direito no Brasil”. Rechtd. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito, v. 10, p. 183-196, 2018.

Texto: dossiê Transição Energética da revista ComCiência

Ilustração de capa: Paola Champi | midiáloga bolsista do Campus Sustentável Unicamp