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Entraves econômicos desafiam a transição energética - Campus Sustentável
 

Entraves econômicos desafiam a transição energética

Entraves econômicos desafiam a transição energética

Relatório aponta metodologias não convencionais como promissoras para vencer barreiras mercadológicas

Apesar da sua urgência, o processo de transição energética tem se mostrado lento: entraves políticos, financeiros e mercadológicos vêm desafiando governos e organizações públicas e privadas pelo mundo. Na busca por soluções de modo a acelerar a disseminação das energias solar, eólica e hídrica, metodologias baseadas em modelos econômicos não convencionais têm se mostrado promissoras quando comparadas a iniciativas tradicionais, que se baseiam apenas na lógica da relação custo-benefício. É o que aponta o relatório “Novos modelos econômicos sobre inovação e transição energética: como abordar novas questões e fornecer respostas melhores”, do projeto Economia da Inovação Energética e da Transição de Sistema (Eeist, na sigla em inglês). Publicado recentemente, o trabalho traz 15 estudos de casos reais desenvolvidos por pesquisadores de 18 instituições asiáticas, europeias e brasileiras, dentre as quais a Unicamp.

Fundado há quatro anos e financiado pelo Departamento de Energia do Reino Unido, o Eeist fomenta a produção científica focada em modelagem econômica e política climática para fornecer embasamento a iniciativas que promovam o desenvolvimento sustentável, partindo da implementação e da disseminação da economia de zero carbono. Sediado na Universidade de Exeter (Inglaterra), o programa reúne, entre outras organizações, o Banco Mundial, a Universidade  de Oxford  (Inglaterra), a Universidade de Cambridge (Inglaterra), a Universidade de Sant’anna (Itália), a Universidade de Tsinghua (China), o Instituto de Pesquisa em Energia da China e o Instituto Mundial de Recursos (Índia). Já o Brasil é representado pela Universidade de Brasília (UnB), pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pela Unicamp.

Nesse que é seu quarto relatório, o Eeist apresenta trabalhos sobre modelos econômicos alternativos em relação a abordagens que não têm dado conta de desatar os nós do processo de transição energética. “São pesquisas sobre o uso de metodologias não convencionais nas situações em que seu emprego seja justificado por indicar perspectivas de avanço com maior rapidez. Focam nos pontos onde a intervenção, pública ou privada, possa fazer a diferença para que a transição aconteça antes que o aquecimento global se torne incontrolável”, explica Marcelo de Carvalho Pereira, professor do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, integrante do Eeist e coautor de um dos artigos do relatório.

O diagnóstico destaca o uso desses novos modelos em situações reais, ilustrando diferentes fases e desafios do processo de transição energética sobretudo no Brasil, na China e na Índia – considerados países-chave para a substituição da energia gerada a partir da queima de combustíveis fósseis por alternativas sustentáveis e limpas. Para construir essas metodologias, os pesquisadores lançaram mão de referências técnicas diversas, como a teoria apreciativa pura, a análise econométrica, as opções de saída (encerramento de contrato) antecipada e a modelagem computacional. Consideraram, ainda, as particularidades, as oportunidades e os possíveis riscos dos cenários envolvidos nessa transformação.

Apesar do avanço dos estudos, a necessidade de adotar medidas para agilizar a transição energética ainda não é um consenso. Nem na academia, nem na sociedade. “Tanto há autores que defendem que não é preciso fazer nada, porque o mercado automaticamente resolverá o problema, como há pesquisadores estudando os aspectos da economia política, que são bastante complexos. A transição mexe com grandes empresas que detêm extensas reservas de combustível fóssil e que vão se movimentar para tentar preservar o valor dos seus ativos. Essas companhias podem influenciar políticas, tornando o processo mais lento”, analisa Pereira.

Complexidade

Descarbonização da economia; financiamento verde; agricultura sustentável; renováveis imparáveis; desenvolvimento setorial combinado de hidrogênio e amônia. A variedade de temas abordados ao longo do relatório ilustra a complexidade envolvida na troca da energia não sustentável por opções renováveis. A coletânea traz, como único representante brasileiro, o artigo “Opções de saída para investimentos em energia renovável no Brasil”, um extrato da pesquisa de doutorado de Anna Carolina Martins, orientanda de Pereira no IE.

O estudo, financiado também pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), partiu da necessidade de entender as principais demandas e os maiores gargalos do processo de transição energética no Brasil, com vistas a analisar soluções. “A necessidade da participação da iniciativa privada de forma mais ativa nesse processo já vinha sendo apontada. A construção de usinas elétricas é um empreendimento muito demorado e caro, por isso o setor público não consegue absorvê-lo sozinho. Contudo, por ser muito demorado, é considerado inviável pelo setor privado”, pontua Martins. Seu trabalho, então, foi encontrar um modelo que diminuísse o risco e aumentasse a viabilidade econômica para o investidor e o empreendedor.

Pouco empregada no Brasil para avaliar a viabilidade de um empreendimento, a solução proposta foi inspirada em uma estratégia comum na negociação de ações: adicionar, no valor total do projeto, o benefício da opção de saída antes que o projeto seja concluído. “Projetos antes considerados inviáveis tornam-se atrativos quando se calcula a opção de saída porque, dessa forma, é possível contabilizar seu risco. O modelo permite flexibilizar os contratos de financiamento, mesmo que envolvam um prazo muito longo para serem finalizados. Isso suaviza os riscos de perdas e conflitos”, detalha Martins.

Para testar sua ideia, a economista utilizou como modelo a usina hidrelétrica de Itumbiara, pertencente ao complexo Furnas e localizada entre Minas Gerais e Goiás. Após a coleta de dados, Martins realizou uma análise de fluxo de caixa e de risco, considerando variáveis como salários, manutenção da planta, tarifa energética e capacidade de consumo. Dessa forma, chegou à fórmula do valor de uma hipotética opção de saída antecipada, que teria aumentado a atratividade econômica desse projeto na época da construção.

O resultado, conclui a pesquisadora, mostrou que projetos de construção de plantas de energia renovável como Itumbiara podem se tornar menos arriscados quando se inclui esse dado em seu cálculo. Com essa alternativa, a diluição dos riscos poderia viabilizar empreendimentos que seriam descartados devido à alta probabilidade de o retorno econômico ser negativo.

*Reportagem publicada primeiramente no Jornal da Unicamp.

Texto: Mariana Garcia
Fotos: Antoninho Perri
Edição de imagens: Paulo Cavalheri | Alex Calixto