07.08.2023 Gilberto Jannuzzi: a infraestrutura de serviços deverá se desenvolver para acomodar a utilização de eletricidade, biometano e hidrogênio
Professor da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) e integrante da equipe de coordenação técnica do PAC 2050, Gilberto Jannuzzi analisa os principais desafios para que o Estado caminhe em direção a uma sociedade mais limpa e sustentável. Ele também comenta o papel de instituições como universidades públicas e centros de pesquisa para atingir esses objetivos.
Descarbonizar a economia paulista. De uma forma sintética, este é o objetivo do Plano de Ação Climática e Desenvolvimento Sustentável para o Estado de São Paulo (PAC 2050). O documento estabelece as orientações que devem ser adotadas para diminuir a emissão de gases do efeito estufa e de poluentes vindos tanto do setor público quanto do privado. Atualmente, os níveis de produção e consumo da sociedade paulista fazem do Estado a terceira maior economia da América Latina, atrás apenas do Brasil e do México. No entanto, esses mesmos níveis colocam São Paulo na quarta posição do ranking nacional de emissão de poluentes atmosféricos.
Dados estaduais de 2020 mostram que a participação dos setores de transporte (29%), agropecuário (28%), de energia (27%), de resíduos (13%) e industrial (3%) são as maiores quando se trata das emissões de gases de efeito estufa. No cenário nacional, há uma troca de posições entre os três primeiros setores: o agropecuário é responsável por 62% das emissões, o energético assume o segundo lugar com 14% e o transporte cai para terceiro, com 12%, seguidos das categorias de resíduos e da indústria, cujo percentual nacional é de 6%, ficando empatados na última posição.
Jannuzzi é graduado em matemática pela Unicamp e doutor em energia pela Universidade de Cambridge, Reino Unido, além de ter realizado estágios de pós-doutorado nos Estados Unidos e na Dinamarca. É pesquisador sênior do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe) da Unicamp.
O que é o Plano de Ação Climática do Estado de São Paulo “Net Zero 2050”?
O plano de ação climática de São Paulo é, na verdade, uma orientação para um plano de desenvolvimento econômico do estado com a preocupação de reduções significativas de emissões de gases de efeito estufa (GEE) até 2050. Ele destaca os setores e medidas prioritárias para reduções de emissões estaduais. Ele foi estruturado a partir de 5 setores (transportes, energia, agropecuária+florestas+uso do solo, resíduos, setor industrial e uso de produtos) e considerou seis eixos transversais: infraestrutura física, infraestrutura institucional e regulatória, financiamento e modelos de negócio, uso e ocupação do solo, comportamento dos consumidores e tecnologias.
Como uma universidade como a Unicamp pode contribuir para a transformação na infraestrutura, associada a mudanças de tecnologias e de comportamento? É uma missão que vai ao encontro da visão de futuro do PAC2050?
A Unicamp, no âmbito de sua competência administrativa, pode servir como um exemplo demonstrativo de diversas ações propostas no PAC2050, estabelecer metas de redução de emissões, e ter um orçamento que também reflita investimentos e despesas nessas ações. Uma contribuição importante e inovadora pode ser no que se refere ao monitoramento, reporte e avaliação das ações tomadas pela universidade para a redução de suas emissões. Ela poderá inovar na implantação de tecnologias, comportamentos dos usuários, sua gestão de energia, água, resíduos, transporte interno de compras de produtos e serviços. O objetivo deve ser o de reduzir o conteúdo de carbono da Unicamp seja direta ou indiretamente.
Como foi o processo de elaboração do plano? Quais foram os atores envolvidos e quais foram as principais questões de atenção? Como foi sua experiência de integrar a coordenação técnica, levando conhecimentos da Unicamp para tal elaboração?
O PAC2050 partiu de vários estudos que o governo paulista havia desenvolvido anteriormente tanto na área de redução de emissões, como nos planos setoriais de transporte, agricultura, florestas, resíduos, saneamento. Vale citar os documentos existentes como o Zoneamento Agrícola e Ecológico (ZEE), Plano de Transportes, Plano de Energia 2050 (em elaboração), o Estudo Biota-Síntese e o Plano de Diretrizes para o Plano de Ação Climática do Estado de São Paulo. Nosso trabalho foi o de consolidar e atualizar as informações desses estudos, estabelecer indicadores e metas de redução através de medidas e instrumentos de financiamento para o período 2030-2040-2050. Através da atual Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística estabelecemos consultas com demais secretarias estaduais, Sabesp, Cetesb, Fiesp. Finalmente submetemos o PAC2050 a consulta pública em outubro de 2022 e entregamos uma revisão final do PAC2050 em dezembro de 2022.
Qual a relação do PAC2050 com a transição energética? Quais deveriam ser as principais ações para o setor de energia?
O Estado de São Paulo é um grande consumidor de energia e, portanto, grande parte das ações do setor de energia estão voltadas para modificar o consumo final atual, seja através de eficiência energética, seja na eletrificação do transporte principalmente. As emissões de metano no estado tanto advindas da agropecuária como do saneamento são muito relevantes e o PAC orienta sua utilização principalmente como um vetor energético. A infraestrutura de serviços de eletricidade e gás canalizado deverá se desenvolver para acomodar crescente utilização de eletricidade, biometano e no final do período o hidrogênio (verde e azul). A maior utilização das tecnologias solar e eólica (offshore também) além de maior investimento em eficiência energética. O PAC 2050 dá diretrizes para a transição energética no estado. Ele foi concebido em sintonia com o Plano de Energia de 2050 do estado e com os demais planos estaduais de infraestrutura.
Qual é a importância dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU? As parcerias e as interações universidade-indústria-governo, que formam uma “hélice tríplice” de inovação e empreendedorismo, seriam a chave para o crescimento econômico e para o desenvolvimento social?
Entendo que a maior disseminação de práticas orientadas pelos SDGs (“Sustainable Development Goals”) somente contribui para acelerar a implementação do PAC2050 e, consequentemente, para a transição energética no estado.
O que poderia ou deveria mudar no Ensino Médio e no Ensino Fundamental para que tivéssemos maior conscientização dos jovens sobre a importância do uso preferencial de energias renováveis tendo-se em vista as alterações climáticas recentes?
Eu destaco que o mais importante não é o uso preferencial de energias renováveis. Isso é importante, mas ressalto, mais uma vez, a importância de conscientizar sobre uma mudança nos padrões de consumo. Acho que se essa informação não ficar clara para vocês jornalistas, falhamos aqui. As novas gerações não podem ser educadas com a promessa de uso crescente de energia renovável.
Após dedicar boa parte de sua carreira aos estudos de temas interdisciplinares relacionados à Energia, que dicas ou sugestões daria para alunos(as) que hoje iniciam uma graduação e querem se tornar pesquisadores em sua área?
Tecnologias de energia são importantes e têm evoluído muito, especialmente através das tecnologias de comunicação, AI (Inteligência Artificial) e IoT (Internet das Coisas). Aqui no Brasil (mas não só no Brasil) o acesso a serviços de energia a custos acessíveis é ainda algo que não resolvemos. Ainda temos bolsões de inadimplência e falta de acesso a eletricidade, a transporte e combustíveis limpos para cocção. Inovação em modelos de negócio e financiamento para serviços de energia (tanto de suprimento como uso eficiente de seu consumo) são áreas que precisamos avançar.
Entrevista feita por Joni Amorim, Maria Ester Soares Dal Poz e Felipe Mateus / Introdução feita por Inácio de Paula
Texto e imagem: dossiê Transição Energética, da revista ComCiência